quarta-feira, 31 de julho de 2013



Herança de Tamarón

Avançava timidamente o verão e o bulício taurino do nosso País tomava forma quando recebemos a triste notícia do desaparecimento, da discreta personagem e aficionadíssima presença nas nossas praças de touros, trajado de fato negro, sob a proteção do seu característico chapéu, de Gentlemen de outros tempos, Sr. Isidoro Maria de Oliveira representante da ganadaria de Herds. de Alberto Cunhal Patrício.
Outrora ganadaria puntera em Espanha, de tal modo que nos anos 60 e 70 se recusava mesmo a lidar em Portugal, tendo em vista a colocação exclusiva em Espanha, para lide e morte à espada das figuras.
Esta aventura começa no ano de 1929, quando os Irmãos Infante da Câmara formaram uma ganadaria com reses procedentes de Murube e Parladé, antes Campos Varela, a quem adquiriram o ferro. Aumentada com vacas de Alves do Rio, de procedência Tamarón e sementais dessa figura pouco conhecida, apenas Juan Belmonte!, e Juan Guardiola, também de origem Parladé.
Saliente-se que esta ganadaria bebe unicamente da fonte Vistahermosa, quer pela rama Murube e Parladé, quer pela rama Tamarón, sendo que esta última ganadaria, da Sra. Marquesa de Tamarón, se forma precisamente com vacas e sementais de Parladé. Vendida em 1920 ao Sr. Conde de la Corte, que dispensa apresentações pela influência genética que aportou a praticamente todas as ganadarias da atualidade, pastando, nos dias de hoje, em “Los Bolsicos”, na raia baixo alentejana, nos campos de Jerez de Los Caballeros.
Voltando ao que nos propusemos a escrever, em 1942 separam-se os Irmãos Infante da Câmara e o lote que correspondeu ao Sr. Emílio, dividiu-se pelos seus filhos, no decurso de 1949, onde a parte que correspondeu a António Infante da Câmara foi comprada pelo Sr. Alberto Cunhal Patrício.
É neste momento que ganha identidade esta vacada brava, com a compra, em 1954, de fêmeas da ganadaria de Oliveira Durão e, em 1967, de vacas e sementais de Oliveira e Irmãos.
A partir do ano de 1971 passa a anunciar-se em nome dos Herdeiros do Sr. Alberto Cunhal Patrício.
Nos anos 80 é refrescada com um semental de Coimbra (Tamarón – Alves do Rio) e mais um lote de vacas e sementais de Oliveira e Irmãos (Parladé), para nos anos 90 receber novamente sangue através da compra de um semental Vasconcellos e Souza D’Andrade (Conde de la Corte).
Finalmente, em 2008, chegou ao Monte do Cerro do Boi e Monte da Igreja, um semental de Herd. De D. José Francisco Varela Crujo (procedência Vistahermosa – Parladé – Juan Pedro Domecq e Torrestrella).
A ganadaria de Herd. de Alberto Cunhal Patrício ganhou muita popularidade nos anos 70, entrando nas principais feiras espanholas e sendo estoqueada pelas figuras da época, Dominguín, Ordoñez, Diego Puerta, Paco Camino, Cordobés, Curro Romero, Niño de la Capea.
A saudosa Monumental de Barcelona foi palco de vários triunfos deste ferro português.
O “Cunhal Patrício” é um touro de tamanho médio, astifino, baixo, com córneas para a frente e para cima, de pelo negro ou negro listão, podendo aparecer chorreados ou raiados, colorados e bragados.
Tal foi a regularidade deste ferro que chegou mesmo a dar origem a outras ganadarias igualmente punteras de Espanha, falo particularmente do ferro de Herd. de Don Bernardino Piriz Carvallo, formada em 1969 com vacas e sementais de Alberto Cunhal Patrício e que foi uma das ganadarias preferidas pelo Faraó de Camas, Curro Romero.
Hoje superiormente conduzida pela Sra. D.ª Margarida Maria Patrício de Oliveira Malta Romeiras, lida sobretudo em Portugal, com a mesma regularidade dos idos anos 70.
Em Espanha, mudaram-se os tempos e logo as vontades e a perda de tipo das maiorias das ganadarias implicou o desinteresse por aquelas, como a de Herd. do Sr. Alberto Cunhal Patrício que, e bem, se mantiveram fiel ao seu touro, no nosso caso, aquele touro imaginado pelo fundador, criado pelo Sr. Isidoro de Oliveira e seguido pela atual representante.
Que bonito ver o carinho empenhado na cria do touro de lide, nas franjas de Évora, no Monte da Igreja, muros de pedra, praça de tentas aprumada, Casa do Lavrador de rodapé índigo, como mandam as regras, aqui como em tudo, não se parece, é-se!

quinta-feira, 25 de julho de 2013



O “Alentejo” da Galeana
Como eborense e aficionado não ficaria bem comigo mesmo senão fizesse uma referência a uma Referência, esta sim com R maiúsculo, a um dos grandes criadores de touros de lide que Évora e Portugal viram nascer, o Sr. Eng. Joaquim Murteira Grave.
Do palmarés deste ferro alentejano, começando pelo pódium dos Concursos de Ganadarias de Évora às voltas ao ruedo em Madrid, passando pelo prémio ao touro mais bravo da Feria de San Isidro, não me vou debruçar sob pena de não ter espaço para tantas palavras.
Pode considerar-se que o início da Ganadaria Murteira Grave remonta ao ano de 1944, quando o Sr. Manuel Joaquim Grave, Pai do Sr. Eng. Joaquim Grave e Avô do atual ganadeiro, Dr. Joaquim Grave, compra uma ponta de vacas e um semental, “Fabeto” ao criador José Lacerda Pinto Barreiros, aquela que se considera a Mãe das ganadarias portuguesas, por todas elas terem ido buscar produtos a esta vacada.
Nessa altura ainda não existia o ferro da Espora, e os animais eram ferrados com o G, de Grave.
Em 1955 morre o Sr. Manuel Joaquim Grave e em 1958 a ganadaria passa a anunciar-se em nome de Joaquim Manuel Murteira Grave, Eng. Joaquim Grave.
É no ano de 1958 que se compra o ferro que todos conhecemos, a Espora, pertencente a Ignacio Sanchez Ibarguen e inscrito na Unión de Criadores de Toros de Lidia.
Com o temido ferro da Espora veio também para Portugal um lote de vacas e sementais provenientes da divisão da Ganadaria de Ramos Paúl, antes Villamarta.
O novel ganadeiro eliminou as reses adquiridas juntamente com o ferro da Unión e comprou vacas e um semental a Guardiola Soto (Parladé) e Samuel Flores (Gamero Civico), que juntou à primitiva vacada que herdou do seu Pai.
Nos anos 70 compra sementais a Carlos Nuñez, da linha Rincón.
Mantendo sempre as vacas de ventre, faz posteriores e sucessivas aquisições de sementais, primeiro, em 1985, chega a Galeana um touro de José Luis Vasconcellos (Tamarón – Conde da Corte), depois, em 1987, vem outro semental, com o ferro de Paquirri, de procedência Nuñez, desta vez da linha Villamarta, em 1994, entra sangue Domecq, proveniente de Juan Pedro Domecq Solís.
Em 1995 volta a refrescar o sangue Nuñez que já tinha, através da compra de vacas e sementais a D. Carlos Nuñez, de ambas as linhas, Rincón e Villamarta. O último sangue a entrar nesta mescla de bravura é de procedência Domecq, via Jandilla.
Desta fusão nasceu um encaste próprio, Murteira Grave, de um tronco comum, Vistahermosa – Parladé – Gamero Cívico – Tamarón – Guardiola Soto - Nuñez (Villamarta e Rincón) e Juan Pedro Domecq (Juan Pedro Domecq Solís e Jandilla).
Touros com peso, de cornamentas generosas e habitualmente acapachadas, de pelo negro, podendo aparecer colorados, burracos e bragados, mas todos sempre muito sérios e exigentes.
Nesta ganadaria a diferença comportamental de um touro de quatro para um de cinco anos é bem evidente, não permitem distrações e tudo tem de ser muito bem feito. Assim podem comprovar diversos Forcados e Cavaleiros que provaram do seu fel quando, negligentemente, perderam o respeito aos “Graves”.
Papel igualmente importante neste percurso tiveram os Matadores de Touros Francisco Mendes, Francisco Ruiz Miguel e Espartaco, o primeiro pela proximidade e amizade com a família Murteira Grave, os segundos, pelas tardes e tardes que se encontraram com os “Murteira” nesse plante taurino.
Não me atrevo a escrever sobre a Família Murteira Grave, verdadeiro viveiro de afición e paixão campera, Casa de Poetisas, Ganadeiros, Cavaleiros, Forcados, e todos dos bons. Um verdadeiro exemplo e um espelho para quem destas vivências se interessa.
Pessoalmente é das ganadarias que mais me marcou, pelo bem e pelo mal, com “Graves” vivi muitas experiências, e todas intensas, nenhuma de ânimo leve, ou grandes triunfos ou grandes fracassos.
Termino esta lembrança com um toureiro que também me marcou e dos poucos que me fez correr lágrimas pelo rosto, no dia da sua despedida da Real Maestranza de Sevilla.
Também ele tinha que estar ligado aos “Murteira”, era justo, os Deuses da Tauromaquia não dormem.
Em Bogotá nasceu o Toureiro que conquistou Madrid, Julio César Rincón Ramírez, Maestro César Rincón.
Quando o “Alentejo”, de Murteira Grave, se cruzou no seu destino ainda esvoaçavam pelas ruas de Madrid os jornais, já lidos, do triunfo, 24 horas antes, culminado na primeira Porta Grande em Las Ventas, a primeira de quatro, consecutivas…depois de ter desorelhado “Santanerito” de Baltasar Ibán.
É então que lhe toca “Alentejo”, touro virtuoso, exigente, não aceitava proximidades, tudo o que se lhe fizesse, tinha que ser com distância, para então despejar o que levava dentro, como aconteceu. Aposto que nas tipografias já se ligavam os motores das velhas máquinas, pois o rugido de Las Ventas seguia nos ventos de Toledo, algo gordo se montava.
Podemos recordar esta tarde mágica aqui https://www.youtube.com/watch?v=v0vTq0uouAg
E ficou para a História um qualquer dia 22 de Maio de 1991, um “Alentejo”, um Colombiano, uma Espora, a Galeana… em Madrid, em Las Ventas do Espiritu Santo, mesmo ali…à Calle de Alcalá.
Eu sei o que tenho em Évora…que de Évora me estou lembrando.

sexta-feira, 19 de julho de 2013



França: em defesa das minorias

Outrora pátria de irredutíveis gauleses, hoje em dia pátria de irredutíveis aficionados.
Talvez a Liberdade, Igualdade e Fraternidade revolucionárias tenham também tido papel no nosso mundo dos touros.
Que a França está uns passos à frente dos seus vizinhos mais ocidentais, quer do ponto de vista económico, politico e até social não é novidade para ninguém, o que espanta, ou talvez já não, é que também esteja a descolar-se de nós no Tour da tauromaquia.
A afición francesa rejubila, pela sua juventude, pela sua vivacidade e sobretudo pela sua expertização, utilizando um estrangeirismo.
Ouvi há pouco tempo o Matador Emílio Muñoz dizendo que os aficionados estão a regredir na ordem inversa ao público, ou seja, há cada vez mais público, é um facto, mas menos aficionado, é uma realidade, constata-se em Espanha e também em Portugal, nas principais praças de touros do nosso pais, muita gente (Graças a Deus, pois assim não sendo, não sei não…) mas poucos aficionados, aquelas caras conhecidas que nos habituámos a ver nos tendidos, a ouvir às portas de cavalos, ou artistas, como preferirem.
Não é sobre este tema que vou escrever, mas é urgente fazermos aficionados, não deixando de estar agradecidos ao público que, ainda, aflui às praças, devemos agora converte-lo.
Voltando à Gália, também não vou escrever sobre o impacto que as suas feiras têm na economia local, turismo ou restauração, deixo esses afazeres para quem de direito.
O que me traz aqui é de facto o papel vital que a França taurina tem na cabana brava, a França é actualmente o balão de oxigénio dos encastes minoritários.
O valor dos encastes minoritários é incalculável, creio querer que nem os taurinos ainda se aperceberam muito bem do que se trata, caso contrário não o (des)tratariam desta maneira, e Deus Queira que quando tomem consciência do património genético, da riqueza cultural e histórica, que faz a ponte para o passado, para os primórdios, para La Lidia, para as pinturas de Goya e Velázquez, não seja tarde demais.
Deve culpar-se em grande parte as figuras, digo-o sem receios, os veedores que tanto seleccionam no campo, exclusivamente num leque de encastes comerciais e com possibilidade de investir, tem vindo a rechaçar essas ganadarias antigas. Que mal virá ao mundo e a uma carreira de uma figura do toureio, tourear, numa temporada, uma corrida de Prieto de la Cal, de Concha y Sierra, de Sanchez Cobaleda!? Muitas das corridas que tanto esmiúçam no campo bravo, dos ditos encastes all stars, vem depois a revelar-se touros de corda, descafeinados.
Se não fosse um empresário francês ter adquirido em 2012 as ganadarias de El Cura de Valverde, puro Conde de La Corte, sobre a qual já tive oportunidade de escrever umas linhas (“A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus?”) para o site www.toureio.com, assim como a ganadaria de Concha y Sierra, puro encaste Vasqueño, única, estas duas vacadas desapareciam sem dó nem piedade do panorama taurino, situação que estás prestes a acontecer aos Coquilla de D. Mariano Cinfuentes e já aconteceu aos Atanasios de Campocerrado, aos Cobaledas…
Não podemos deixar que se repita, é triste ver cair ganadarias desta forma, atiradas para o matadouro…
Praças de touros como Céret, Aignan, Alés, Istres, Orthez, Palavas, Vic-Fezensac, Arles, Soustons são os santuários da tauromaquia, daquela tauromaquia antiga, nos seus elencos ganaderos pontuam sempre, sem excepção, Saltillo, Escolar, Prieto de la Cal, Fernando Palha, Adelaida Rodriguez, Miura, Partido de Resina, minorias que alegram o aficionado, entusiasmam o público, normalmente pela espectacularidade da sorte de varas, aqui com papel principal, e podem até aportar triunfos aos toureiros, podem mesmo.
Tenho pena que em Portugal e Espanha não se dê valor a tais minorias, a culpa não é dos criadores, estes tem que vender e as tendências de mercado são outras, importa-se o que vende, elimina-se o que não se quer tourear, numa espécie de pret-a-porter, onde as colecções dos anos anteriores já não estão na moda e vendem-se a preço de carne.
Valha-nos os irredutíveis aficionados gauleses e hoje, tal como disseram os seus antepassados dos Romanos, dirão: sont fous ces Ibériques…e somos mesmo.





quarta-feira, 17 de julho de 2013



Ius Imperii

Muito bons toureiros poderiam estar noutro patamar não fosse a “teimosia” de certos Presidentes de Corridas. É certo que os troféus não representam tudo na vida de um toureiro, podem mesmo até nem representar nada, como no caso de Morante de la Puebla, o perfume do seu toureio vai mais além dos narizes das Autoridades, no entanto isto serve para quem está consagrado, para quem já obteve os ditos troféus no passado.
Não são só os touros, as cornadas e a dureza própria da profissão que destroem sonhos de seda e ouro, são também, muitas das vezes a incompetência, ou melhor, a insensibilidade dos Presidentes.
Entendo e aceito que haja rigor no cumprimento das normativas, da mesma forma que compreendo que praças como Madrid, Pamplona, Bilbao, Valência tenham maior responsabilidades e por isso se exija, mas exigir mais não significa tocar a intransigência.
A primeira orelha é do público, está consagrado nos diversos regulamentos taurinos, diversos, porque cada Região Autónoma Espanhola dispõe de tal normativa. A segunda orelha é critério do Presidente, no entanto este não pode simplesmente fechar os olhos à vox populi.
O mais grave é que até na concessão do primeiro troféu por vezes assistimos a tamanhas injustiças. Não é fácil apurar estatisticamente maiorias, mas bolas! Os lenços brancos são bem visíveis e as vozes audíveis num recinto com vinte mil lugares.
A festa de touros é do povo e para o povo, é quem opina, quem exige e quem protesta.
O que assistimos na Isidrada do corrente ano com o matador Alberto Aguilar é uma verdadeira manifestação de arbitrariedade, a opinião era consensual, toda a praça queria o troféu, a faena era de orelha e apenas um senhor, fazendo bandeira do seu Ius Imperii, teve opinião contrária, não foi a vontade de todos, como está regulado, que prevaleceu, foi a vontade de um capricho, apenas uma alma no meio de vinte mil.
Mais orelha menos orelha…o problema é que esta orelha não era apenas um troféu a somar, era a segunda orelha numa corrida da Feria de San Isidro, era o abrir da Porta dos Sonhos, era o telemóvel do Maestro Campuzano a tocar incessantemente, era tudo…mas não foi nada.
Não sei o que significará sair em ombros em Las Ventas, nunca saberei, o Sr. Presidente também não sabe e também nunca irá saber, mas ficará para história por ter negado discricionariamente esse direito a um toureiro valente, com valor e que seguramente cruzará muitas vezes essa mesma Porta, talvez olhando por cima do ombro e dizendo baixinho que a chave está na sua mão. Daquela vez saiu caminhando, por onde entrou e chorando de impotência e tristeza pura, não por não ter conseguido fazer o que se predispunha, mas por alguém lhe ter negado essa faculdade.
Ninguém tem o direito de destruir, desta maneira, sonhos a jovens toureiros, a festa precisa deles, a profissão e a dureza que lhe está adjacente é já suficientemente carrasca e encarrega-se ela própria de fazer uma seleção natural, que não seja nunca mais uma decisão Presidencial a tornar o sonho em pesadelo de seda e ouro.

17 de julho de 2013